Entrevista Indesejada

Veja perguntas que enviamos ao
MP sobre escândalo do Semasa

  DANIEL LIMA - 03/06/2015

O texto deste artigo, dominado por indagações sobre o escândalo do Semasa, foi encaminhado nesta quarta-feira de manhã ao promotor criminal Roberto Wider Filho, responsável pelas investigações do Ministério Público. Esta Entrevista Indesejada não pretende outra situação senão esclarecimento completo de um caso cujo desfecho, em forma de denúncia ao Judiciário, não satisfez quem conhece a realidade de cartas marcadas no mercado imobiliário da região, que não é exceção no mar de protecionismo nas relações entre empresas privadas e servidores públicos no País – como comprovam os mais recentes escândalos federais, sobretudo da Petrobras.

 

O promotor criminal terá 15 dias para responder às questões formuladas.  Poderá estender o prazo se assim o entender. As respostas que formular serão integralmente levadas aos leitores desta publicação digital. Não haverá intermediação eventualmente contestatória deste jornalista às declarações do representante do Ministério Público. Se for preciso, recorrerei a um artigo paralelo e, também, a novas indagações. Tudo em nome de uma sociedade transparente. Algo que se distanciou completamente do esperado no anúncio do desfecho ministerial do caso.

 

Entrevista Indesejada é uma das chamadas “editorias” desta publicação. O encaixe dos dois verbetes que se completam transmite a ideia de que se trata de um espaço pouco confortável aos entrevistados. Quem sugerir essa avaliação está completamente certo. Isso mesmo, está completamente certo. No mundo real, em que o politicamente correto não tem razão de ser porque não leva a nada de construtivo de fato, mas a embromações permanentes, uma entrevista com essa conotação de certo grau de beligerância produtiva é o que se espera do jornalismo independente e inconformado. Como, por exemplo, o que opôs ainda ontem à noite o Jornal Nacional à conclusão do Ministério da Aeronáutica de que o acidente que matou o filho do governador Geraldo Alckmin e outras cinco pessoas tenha sido exatamente pela causa anunciada. 

 

É claro que a civilidade jamais poderá ser atirada ao acostamento. Nem de um lado nem de outro. Por isso, a expectativa é de que o promotor Roberto Wider Filho se manifestará de forma abrangentemente densa, esclarecedora. Não será fácil, convenhamos. As declarações de que o escândalo do Semasa era algo como sexo consensual que se transformou em estupro, porque de propina virou extorsão, levam teoricamente a investigação do Ministério Público às cordas. Nada que eventualmente não possa ser revertido. É o que se espera pelo menos em nome da coerência da conclusão final.

 

CapitalSocial – Causou estupefação àqueles que acompanharam o escândalo do Semasa a denúncia oferecida pelo senhor envolvendo somente servidores públicos de Santo André, excluindo-se agentes corruptores, ou seja, os empresários. Como é possível que se tenha dado aquele escândalo, semelhante, aliás, ao da Máfia do ISS da Capital, que emergiu logo depois e contabiliza um feixe de envolvidos, entre servidores municipais e empresários corruptos, com resultados tão diferentes?

 

Roberto Wider Filho –

 

CapitalSocial – A lógica de definir a conclusão das investigações sobre o escândalo do Semasa como “estupefação” não é fruto de um desvario qualificativo das irregularidades, mas resultado das declarações que prestou à imprensa durante o período investigatório. O que o senhor cansou de afirmar como caso de propina, se transformou em caso de extorsão. São situações completamente diferentes. Como o senhor explica a mudança, lembrando que a travessia interpretativa baseada na legitimidade jurídica de cada situação significaria algo como dizer que um elefante invadiu o Paço Municipal e mais adiante garantir que o invasor não passou de um gato siamês? Para que não haja dúvida sobre esse questionamento, lembro que em quatro de março de 2014, numa reportagem publicada no Diário do Grande ABC, o senhor afirmou exatamente o seguinte: “A identificação de alguns dos responsáveis pela cobrança indevida (propina) necessariamente não faz prova contra outros. Estamos verificando a responsabilidade individual. (...). Ficou comprovado que ele (Calixto Antônio Júnior) representava o prefeito dentro do Semasa”. Mais adiante, em 22 de maio de 2014, o jornal ABCD Maior publicou matéria sobre o escândalo do Semasa. Pinçamos alguns trechos esclarecedores: “O Ministério Público informou já ter provas suficientes sobre o pagamento de propina para liberação de licenças ambientais (...). A promotoria afirma que já possui o depoimento de dois empresários que confirmaram o possível suborno. Além disso, recebeu nesta semana nova denúncia de pagamento de propina, no valor de R$ 1 milhão, ainda em investigação. “Temos provas e depoimentos que apontam irregularidades no procedimento, além de existência de propina”, afirmou Roberto Wider, promotor que investiga o caso. (...) “Temos notícias que uma empresa da cidade pagou R$ 1 milhão por uma licença ambiental. O dinheiro teria sido dividido entre integrantes do Semasa e da Prefeitura”, – escreveu o jornal. Diante disso, é possível apagar tudo que se refere à propina, e seus desdobramentos, e acreditar apenas em extorsão?

 

Roberto Wider Filho –

 

CapitalSocial – O advogado Calixto Antônio Júnior foi enfático em entrevista a esta revista digital quando disse em junho de 2012 que, como em dezenas de outras licenças ambientais concedidas pelo Semasa, prevaleceram irregularidades no uso e ocupação do solo do Royale Nobre Residence, empreendimento que reúne oito torres e estrondosos (para a mobilidade urbana) 640 apartamentos de classe média alta. A MBigucci, de Milton Bigucci, presidente do que chamamos de Clube dos Especuladores Imobiliários do Grande ABC e denunciado por envolvimento com a Máfia do ISS de São Paulo, juntou-se a duas grandes construtoras paulistanas naquele empreendimento, segundo o denunciante. O que as investigações do promotor desvendaram a ponto de o empresário – e outros igualmente beneficiários de irregularidades – não constar da lista do Ministério Público?

 

Roberto Wider Filho –

 

CapitalSocial – Quem colaborou com as investigações do Ministério Público de Santo André no escândalo do Semasa para ir a fundo na denúncia de Calixto Antônio Júnior? O denunciante disse que dezenas de empreendimentos imobiliários liberados pelo Semasa enfileiraram irregularidades de uso e ocupação do solo com a evidente participação delituosa tanto de servidores públicos como de empresários do setor.

 

Roberto Wider Filho –

 

CapitalSocial – O Semasa conta com técnicos especializados em uso e ocupação do solo que garantem a proliferação de empreendimentos imobiliários completamente fora da legalidade, muitos dos quais, aliás, sugeridos à investigação pelo denunciante Calixto Antônio Júnior. Nas investigações que realizou para conferir a veracidade das declarações daquele advogado-denunciante, quais foram esses servidores de reputação ouvidos pelo senhor? O atual presidente do Semasa, engenheiro Sebastião Vaz, foi solicitado, já que é um especialista na matéria? Se foi ouvido, o que ele disse?

 

Roberto Wider Filho –

 

CapitalSocial – Há informações seguras de que as investigações que o senhor realizou não foram à origem do caso Semasa, que consiste numa varredura completa dos processos de empreendimentos imobiliários que aportam na Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano, ponto nevrálgico da corrupção durante a Administração Aidan Ravin. Uma investigação de campo, presencial, confrontando a realidade das obras executadas e os rigores do Plano Diretor, constataria a montanha de ilegalidades denunciadas por Calixto Antônio Júnior. Quais foram as incursões que o senhor realizou em atendimento às declarações do denunciante?

 

Roberto Wider Filho –

 

CapitalSocial – Há um pedaço importante do enredo do escândalo do Semasa que não emergiu publicamente nas declarações do senhor ao denunciar os servidores públicos à Justiça, tendo à frente o ex-prefeito Aidan Ravin. Esse pedaço se refere a informações de fontes insuspeitas deste jornalista que traçaram a trajetória de propinas que lubrificava os ganhos milionários de empresários do setor imobiliário beneficiados pela flexibilidade indevida de potencial de construção, em detrimento do Plano Diretor e da qualidade de vida urbana. Trata-se, esse pedaço de enredo, do nascedouro das propinas, na Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano. Sabe-se que, supostamente ao descobrir que estava sendo passado para trás na fonte de propinas, ou seja, a secretaria em questão, o então prefeito Aidan Ravin mandou um emissário ao Semasa, no caso o denunciante Calixto Antônio Júnior, para sobretaxar os empresários. Ou seja: o que tivemos no Semasa foi um caso típico de duplicidade da rede de propinas no setor imobiliário. Não lhe chegaram essas informações durante os quase três anos de investigações? Transformando tudo isso em metáfora: a contaminação do rio do mercado imobiliário se deu no nascedouro da apresentação dos projetos, ou seja, na secretaria específica, e, segundo informações, as investigações policiais e do MP não atentaram para essa realidade.

 

Roberto Wider Filho –

 

CapitalSocial -- O senhor dispôs de condições estruturais e de recursos humanos para desempenhar as investigações do escândalo do Semasa? A depauperação do Ministério Público em termos de condições logísticas de atuação, sobretudo em casos mais complexo, como o do Semasa, é considerado um dos fatores que elevam as possibilidades de investigações nem sempre aprofundadas e, consequentemente, certeiras. Transformar um caso tipicamente de propina em caso de extorsão, como se deu durante o processo de investigação que o senhor realizou, não teria sido desdobramento da esqualidez estrutural do Ministério Público?

 

Roberto Wider Filho –

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